quinta-feira, 18 de outubro de 2018

[TEXTO] A morte

A morte

A verdade é que nós ainda não sabemos lidar com a morte.
Não estou dizendo que não sabemos o que é morte, é óbvio que sabemos.
Até decoramos todo o processo, desde o nascer, até o grande — ou pequeno— dia. Sabemos, todos nós, que aquele nosso amigo pra todo momento um dia vai. Sabemos que aqueles nossos familiares que só vemos nos natais vão. Que nossos inimigos vão. Nossos pais. Os bichinhos de estimação. Aquele seu vizinho que ouve música alta até tarde….iih, esse é que vai mesmo.
Temos total certeza de que um dia eles se vão, talvez antes de nós, talvez depois. Mas mesmo assim, é só vir a grande notícia e lá estamos nós, profundamente chocados, chorando copiosamente, por uma morte que já sabíamos que um dia iria vir, já que é a única certeza que temos na vida.
Mas a minha pergunta é: por que não sabemos lidar com a morte?
Ela está aí, nos noticiários, no meio do trânsito, nos corredores dos hospitais, na ficção…
E não sabemos lidar com a lazarenta.
Mas pra não dizer que não temos nenhum mérito, que somos seres que não sabem lidar com os problemas e que nos quebramos com uma facilidade absurda — o que é uma verdade irrefutável — Nós sabemos sim, lidar com a dor…a dor do outro.
Alguém perde um familiar que você nunca viu na vida e você tem todos os conselhos e aceitações na ponta da língua, de repente se vê graduado na psicologia-do-descanse-em-paz e se vê pronto pra escrever um livro de quinhentas páginas sobre como é fácil superar o grande bater de botas. Acredite, tem gente que faz isso, não estou brincando.
Mas então, quando a dor é nossa…
Aí não.
Aí não pode.
Aí estamos perdidos.
Aí perdemos o chão.
Aí os conselhos somem.
Aí você se vê indignado com cada pessoa que ri ou está feliz naquele fatídico dia — inclusive aquele pobre coitado não tinha a mínima noção de quem era a sua tia Gertrudes.
Isso acontece porque não queremos ver quem amamos sofrendo. Não suportamos a mínima possibilidade de ver aquela pessoa que te fez bem por tanto tempo gemendo de dor e sofrimento numa cama ou em um corredor de hospital, ou até gritando de dor dentro da sua própria casa.
E mesmo quando a morte é rápida e indolor, nós sofremos. Porque ver aquela pessoa sumir da nossa vida é algo assustador o suficiente para arrancar lágrimas de nossos olhos enquanto as mesmas limpam os nossos globos oculares e incham toda a nossa cara.
Daí produzimos séries sobre o assunto, escrevemos livros, contamos para as criancinhas sobre o processo de “nascer, crescer e morrer”, ao mesmo passo em que damos valor a coisas fúteis que julgamos importantes enquanto aquela pessoa especial está bem do nosso lado e nós não aproveitamos o momento, porque sempre achamos que vamos ter mais tempo.
Fazemos tudo isso enquanto negamos com todas as forças o grande fato inegável: que não sabemos lidar com a morte.

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